A Arte Nasce Sempre de Alguma Paixão
Para que a arte possa ser arte, não se lhe exige
uma sinceridade absoluta, mas algum tipo de sinceridade. Um homem pode escrever
um bom soneto de amor sob duas condições - porque está consumido pelo amor, ou
porque está consumido pela arte. Tem de ser sincero no amor ou na arte; não
pode ser ilustre em nenhum deles, ou seja no que for, de outro modo. Pode arder
por dentro, sem pensar no soneto que está a escrever; pode arder por fora, sem
pensar no amor que está a imaginar. Mas tem de estar a arder algures. De
contrário, não conseguirá transcender a sua inferioridade humana.
Fernando Pessoa, in 'Heróstato'
Fernando Pessoa, in 'Heróstato'
Somente pela arte podemos sair de nós mesmos,
saber o que um outro vê desse universo que não é o mesmo que o nosso e cujas
paisagens permaneceriam tão desconhecidas para nós quanto as que podem existir
na lua. Graças à arte, em vez de ver um único mundo, o nosso, vêmo-lo
multiplicar-se, e quantos artistas originais existam, tantos mundos teremos à
nossa disposição, mais diferentes uns dos outros do que aqueles que rolam no
infinito e, muitos séculos após se ter extinguido o foco do qual emanavam,
chamasse ele Rembrandt ou Ver Meer, ainda nos enviam o seu raio especial.
Marcel Proust, in 'O Tempo Reencontrado'
Marcel Proust, in 'O Tempo Reencontrado'
Para a Psicologia do Artista
Para que haja arte, para que haja alguma acção e
contemplação estéticas, torna-se indispensável uma condição fisiológica prévia:
a embriaguez. A embriaguez tem de intensificar primeiro a excitabilidade da
máquina inteira: antes disto não acontece arte alguma. Todos os tipos de
embriaguez, por muito diferentes que sejam os seus condicionamentos, têm a
força de conseguir isto: sobretudo a embriaguez da excitação sexual, que é a
forma mais antiga e originária de embriaguez. Também a embriaguez que se segue
a todos os grandes apetites, a todos os afectos fortes; a embriaguez da festa,
da rivalidade, do feito temerário, da vitória, de todo o movimento extremo; a
embriaguez da crueldade; a embriaguez da destruição; a embriaguez resultante de
certos influxos meteorológicos, por exemplo a embriaguez primaveril; ou a
devida ao influxo dos narcóticos; por fim, a embriaguez da vontade, a
embriaguez de uma vontade sobrecarregada e dilatada. — O essencial na
embriaguez é o sentimento de plenitude e de intensificação das forças. Deste
sentimento fazemos partícipes as coisas, contragemo-las a que participem de
nós, violentamo-las, — idealizar é o nome que se dá a esse processo.
Libertemo-nos aqui de um preconceito: o idealizar não consiste, como se crê
comummente, num subtrair ou diminuir o pequeno, o acessório. Um enorme extrair
os traços principais é, isso sim, o decisivo, de tal modo que os outros
desapareçam ante eles.
Friedrich Nietzsche, in "Crepúsculo dos Ídolos"
Friedrich Nietzsche, in "Crepúsculo dos Ídolos"
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