André
Mateus tem 34 anos e nasceu em Lisboa.
É formado
em Gestão pela Universidade Católica Portuguesa e fã incondicional do Futebol
Clube do Porto. O seu
nome artistico é Junior. Ainda
hoje é conhecido por essa alcunha e foi com esse nome que se lançou na área do
Hip Hop em Portugal, no início do século XXI.
As
suas 3 grandes referências artísticas são Chico Moreno dos Deftones, Banksy e
George Lucas. Correm rumores que o seu primeiro filho se vai chamar Yoda. Para
ele a arte “é um exclusivo humano. Os animais, por mais queridos ou inteligentes ou
sensíveis que sejam, nunca farão arte”. Vai ainda mais
longe e diz que “mais do que definir a
arte, o que eu acho relevante é que é ela que nos define a nós, humanos.”
Faz
agora 10 anos que Junior deu um concerto no Garage em Lisboa. Este concerto foi
a confirmação daquilo que o seu grupo de amigos mais próximo já sabia: havia
ali talento!
Nos
anos seguintes, Junior ganhou o TMN Garage Sessions, gravou um CD e abriu o
Festival Sudoeste no palco principal em 2005. Em
2008 o ciclo Junior terminou, mas a alma do artista continua viva!
Esta
semana o Artes e Tartes homenageia este artista com uma entrevista sobre a sua
carreira e sobre as suas influências artísticas.
Artes e Tartes - Fala-nos um pouco do
teu caminho como artista. Desde a formação da tua primeira banda até aos dias
de hoje. Qual é o teu reportório no fundo?
Junior - Pois bem tudo começou com o meu primo Fred que já sabia tocar
guitarra. Ele tinha uma, e ensinou-me a dedilhar o tema do Godfather, tinha eu
13 anos. A partir daí ficou a curiosidade, que foi sendo alimentada na
escola com outros amigos que tinham guitarras. Tentávamos imitar músicas que
conhecíamos, partilhávamos acordes e ideias sobre guitarra, mas na realidade
nenhum de nós sabia nada daquilo. A grande motivação para criar a minha
primeira banda foram os Nirvana, que tinham músicas super simples de tocar, o
que me deu aquela esperança "if he can do it so can I". E foi assim
que tudo começou. Eu já tinha umas músicas feitas (basicamente 4 acordes
simples repetidos à exaustão) e umas letras a gozar, e decidi
"formar" uma banda com outro amigo meu que também gostava de Nirvana
(Castelo). O irmão mais velho de um amigo nosso tinha uma bateria velha numa
garagem e cobrava-nos 500 escudos para passarmos lá a tarde a fazer barulho.
Eu na guitarra e na voz, o Castelo na bateria. Foi o primeiro line-up que
tivémos. Claro que o som era horrível, mas era o suficiente para fazer 4 horas
parecerem 15 minutos. Adorávamos aquilo. Com o tempo o Castelo, que passava os
fins de semana na Costa da Caparica, conheceu um tal de Rodrigo e uma tal de
Inês, e perguntou-me se eles não podiam vir ao ensaio. Disse-me que sabiam
tocar e que curtiam o mesmo género de música que nós. Eu fiquei contente mas
receoso, porque estes "estranhos" iam perceber que nós tocávamos
muito mal. O Rodrigo era um virtuoso, alguém que sabia mesmo tocar guitarra.
Estava a anos luz de mim. A Inês era baterista, o que eu achei logo cool... Uma
miúda baterista, granda power. Uma miuda pequenina, mas com um touro dentro
dela quando se sentava à frente dos tambores. Ficámos todos de boca aberta, e a
partir desse dia a Inês e o Rodrigo vinham a todos os ensaios. Tinhamos
oficialmente uma banda. O Castelo passou da bateria para a voz, e assim ficámos
durante 1 ano. Duas guitarras, 1 bateria e voz. Não havia baixo.

Paralelamente o meu grande amigo Gongas também estava em bandas. Ouvíamos
todos o mesmo som, partilhávamos várias referências. Um dia o Gongas deixa a
sua banda antiga e eu pergunto-lhe se ele queria ir tocar baixo connosco, com
os pêlos no rabo. Ele aceitou. Eu acreditei que agora é que era, era uma
questão de tempo até sermos uma mega banda de rock na tuga.
Passaram 5 anos, ensaios todas as semanas e alguns concertos, quase sem
público. Uma mão cheia de amigos gostava e acompanhava, mas não mais do que
isso. O tempo foi passando, e o gosto pelo rap foi aumentando (com o Gongas,
com quem ia descobrindo novos artistas e novos sons). Até que ganhámos um
segundo lugar num concurso de bandas cujo prémio era a gravação de um EP.
Ficámos muito contentes e fomos para estúdio gravar à séria pela primeira vez.
Correu muito mal, eu não gostei nada da prestação do vocalista e quis acabar
com a banda. O Gongas estava do meu lado, os outros 3 elementos nem por
isso.
A banda acabou mesmo passado um mês. E eu decidi que não iria ter mais
bandas, que a partir de agora ia fazer como os MC's. Eles existiam em nome
próprio, não estavam associados a uma banda. E foi assim que nasceu o MC
Junior. Foi da vontade de querer fazer música, mas blindar-me dos problemas de
ter uma banda. Claro que ia tocar com outras pessoas, mas não era uma banda.
Era hip hop. Era rap. A lógica era diferente. As regras eram outras e cada um
sabia de si.
O Gongas continuou comigo (como baterista, como baixista e mais tarde como
DJ) até que conheci o Fred CC na Católica. O Fred também gostava de rock mas
estava a ouvir cada vez mais hip hop e tinha um computador onde fazia beats.
Foi a casa dele uma tarde, e gravámos 3 raps meus em cima de 3 músicas dele. A
partir daí começou a aceitação do pessoal, que até então não existia (nos pelos
no rabo).
Rapidamente recebemos o primeiro convite para um concerto, também na Católica,
e foi uma loucura. Eu, que estava habituado a tocar para 20 pessoas que quando
a música acabava não batiam palmas, estava agora a tocar para mais de 300
pessoas, em euforia, a gritar Junior Junior. Foi um power. A partir daí
continuámos e o Junior cresceu, para lá dos meus wildest dreams. A Ana
tornou-se nossa manager, o Papa começou a fazer rimas comigo, o Gongas foi DJ
depois decidiu abandonar e veio o Mike, um puto mesmo espectacular e com uma
energia muito positiva.
Foram momentos que me definem ainda hoje, e que estou muito agradecido a
todos os que me rodearam por mos terem proporcionado. Em 2008, depois de 7
anos, decidimos encostar o Junior e cada um seguiu a sua cena.
AT - Quais foram os teus maiores
estímulos artísticos? Auto-didacta? Vieram de fora? Foi na escola? Foram os
teus pais?
Junior - Foi realizar que não era preciso saber tocar um instrumento muito bem
para fazer músicas. Aprendi o zombie dos cranberries como toda a gente, e a
segunda ou terceira música que aprendi foi basicamente com os mesmos acordes
numa ordem diferente. E chamei-lhe a minha primeira música. Os meus amigos
achavam que eu tocava mal. Os meus pais tinham a minha irmã que sabia cantar e
tocar piano muitissimo bem, por isso eles nunca acreditaram muito no meu
"talento". Achavam que o melhor era eu estudar, como todos os pais.
Acho que a principal motivação foi mesmo o acreditar que conseguia ser músico.
AT - Achas que uma pessoa nasce artista
ou pode ser estimulada e trabalhar em termos de formação artística?
Junior - Eu acho que tens que ter o chamamento dentro de ti. Tens que
querer passar 3 horas a aprender um acorde e não achar que é uma perda de
tempo. Se tiveres esse chamamento, que te leva e empurra para pegar na
guitarra, ou escrever, ou pintar, tens o essencial. As técnicas vêm com o tempo
e podem ser ensinadas. O chamamento é que não. O que leva um artista a QUERER
criar é a base da criação, e consequentemente da arte.
AT - Sentes que a arte preenche um papel
importante na tua vida? Seja nas tuas rotinas ou como ser humano?
Junior - Sim, penso que a arte (sobretudo a música) tem uma capacidade especial
de me fazer sentir. Não conseguia viver sem música, seja usando-a como um
escape das minhas próprias emoções seja deixando-a fazer-me pele de galinha
quando uma música é muito triste ou muito angustiada. É estranho, mas as
músicas que prefiro são as tristes e as angustiadas. É nesse ambiente que sou
mais vulnerável à arte. Em última análise é o que me faz humano.
AT - O Junior foi sem dúvida o teu momento alto como artista, a nível de
reconhecimento externo. Sentiste em algum momento que devido ao
mediatismo, a tua arte estava a perder genuinidade? Ou seja, sendo a arte
algo muito próprio e original de cada um, quais são os desafios que um artista
enfrenta quando ouve não só criticas mas também elogios?
Junior - Sim houve momentos em que o Junior se tornou algo mediático, mas
acho que nunca chegou a níveis em que tivesse que comprometer aquilo em que
acreditava. Ao longo dos anos os palavrões foram um problema. Mas eu falava
assim, por isso não ia mudar. A TMN não curtiu, a Antena 3 não curtiu, a EMI
não curtiu. Mas eu continuei a fazer aquilo que achava, e na realidade
"caguei" para o que eles pensavam. Relativamente a críticas de
pessoal mais perto, cujas opiniões eu respeitava, era mais difícil... às vezes
enquanto escrevia pensava no que o pessoal podia achar desta ou daquela rima...
mas como tinha amigos que me diziam coisas muito diferentes, achei sempre,
conscientemente, que o importante era eu gostar. Porque era impossível fazer
algo que todos os meus amigos gostassem. Havia sempre alguém que não gostava de
uma coisa ou de outra, e se eu me punha a pensar nisso, não escrevia nada.
Muitas das pessoas que ouviam Junior não ouviam rap nem gostavam de hip hop,
mas como se identificavam com as letras, ouviam. Claro que essas pessoas me
"aconselhavam" a desviar-me mais do registo da música negra, dos
beats agressivos do "gueto", da dimensão delinquente e desfavorecida
de que fala o rap... por outro lado tinha amigos que diziam que eu fazia era
música para betos, rap para meninos, e que precisava era de ser mais street.
Ouvi de tudo. Ao ponto de achar que devia ouvir-me só a mim, para o bem e para
o mal. Mas o mais importante e que mais me deixava feliz, era que as pessoas
ouviam e tinham algo a dizer, e vinham ter comigo, às vezes sem me conhecer,
para me dizerem o que achavam. Isso era um power, independentemente daquilo que
diziam.

AT - O Junior era um heterónimo? Ou seja, era
de alguma forma, uma pessoa diferente do André? Como avalias esta questão dos
heterónimos exemplificando por exemplo com o nosso querido Fernando Pessoa?
Junior - A alcunha Junior foi-me dada pelo Chibanga, um gajo que vendia
street wear no Centro Comercial Portugália, na Almirante Reis. Como eu era
bueda puto mas passava lá a vida a comprar CD's em segunda mão e a ver a roupa
"cool", o gajo começou a chamar-me Junior. Eu sempre fui baixo, o que
ajudou aos meus amigos a pegarem na alcunha. Porque eu era dos mais velhos do
grupo, mas dos mais baixos, por isso para "gozarem" comigo os putos
começaram a chamar-me Junior. E pronto, para mim fazia sentido que a minha
alcunha fosse o meu nome de MC. Não foi por questões de heterónimos ou sequer
para me proteger. Achava só meio lame arranjar um nome todo coiso. Eu era o
Junior, logo enquanto rapper era o MC Junior. Quando um artista gosta de
assumir uma persona que não é a sua, o heterónimo dá-lhe essa capa, essa
protecção. Permite assumir uma nova identidade e criar a partir daí.
No meu caso, como o meu rap é muito pessoal, são as coisas que eu acho, um
heterónimo não faria sentido.
AT - Como consideras que está a arte em
Portugal hoje em dia? Porque é que achas que a arte em Portugal é tão mal
tratada? No último post do Artes e Tartes falou-se da fuga da
pianista Maria João Pires para o Brasil porque não tinha espaço aqui, o
que achas de tudo isto?
Junior - Esta pergunta é muito difícil. Por um lado não acho que a arte seja mais
mal tratada em Portugal que outro milhão de coisas, como a política, os
negócios, a agricultura, o desporto etc... Portugal trata mal as coisas, sempre
tratou acho eu. Somos um país muito pequeno, apenas com 10 milhões. Não há
espaço para muita coisa diferente, na lógica de mercado. Não vais conseguir
vender à mesma pessoa casa dos segredos e Maria João Pires. Não dá. O problema
da arte é um problema cultural. E isso, para mim, é universal. Nós não somos
mais parolos que os espanhóis ou os franceses... somos é muito menos e por isso
regista-se menos diversidade. Em Espanha há mais escultores, sem dúvida, mas
também há mais programas sobre os vips e o cor de rosa. São as pessoas que
fazem a arte, não são os países.
AT – Por fim, quais são os teus desafios
para o futuro?
Junior - O maior desafio
relativamente a este tema será o de não deixar que a criação musical saia da
minha vida. Mulher, filhos, a casa, o emprego, as férias, os hospitais... é
importante continuar a dar ouvidos ao "chamamento", mas sinto que
hoje em dia tenho que fazer um esforço para dar tempo à música. Dantes gravava
e pronto, agora ando há 4 semanas para arranjar um dia para gravar. Esse é o
meu maior desafio, não deixar que "a vida" me afaste demasiado da
música. Paralelamente tenho estado também a desenvolver histórias de banda
desenhada, que gostava muito de materializar um dia. Ainda estou na fase de
concepção de personagens, e sobretudo a aprender como contar "gags"
em BD, que tem a sua técnica e truques próprios. Ainda estou na fase ascendente
da curva de aprendizagem (e espero estar por muito tempo) pelo que é meio
prematuro avançar muito mais do que isto. Mas que é era uma coisa que adorava
fazer, isso sem dúvida.
Obrigado
André!