segunda-feira, 28 de abril de 2014

Ana de Sá Nogueira

Ana de Sá Nogueira é uma Lisboeta nativa do signo Touro.



Ela diz que não é artista. Mas o que dizer de alguém que nos últimos 15 anos ofereceu centenas de quadros, bandas desenhadas e desenhos aos seus amigos? Dona de um coração generoso e melhor amiga de muitos amigos, encontrou nas artes uma forma de expressar o seu amor.

Hoje o Artes e Tartes homenageia esta artista, tentando conhecer melhor as suas fontes de inspiração e pensamentos sobre a arte!

Artes e Tartes - Ana, podes indicar-nos os teus 3 maiores artistas de referência?

Ana - Começo por dizer que não sou conhecedora de arte e não tenho dotes artísticos (Nota do Entrevistador: "Lá está ela..."). Mas vou falar em pintura pois é o que mais gosto dentro das Artes. É-me difícil avaliar as “referências” de pintura, já que gosto de um milhão de quadros e sempre de autores diferentes.. Para mim um bom artista tanto pode ser um dos top como o meu melhor amigo ;) Acho que tem a ver com a forma como a arte te “bate” naquilo que tu és como pessoa. Ou seja, não é a técnica, o estilo deste ou aquele pintor, é mais o que aquela pintura mexeu contigo, o sentimento que te provocou e como te identificaste com ela. Por isso as referências que tenho são muito mais “emocionais”. Mas sinto que tenho uma “queda” para o Naif. Principalmente porque acho que os meus quadros são também muito simples e por isso me identifico e percebo o Naif. Não precisa de técnica ou estilo. É sentir, pintar, contar uma história e ter muita cor! 

Uma grande referência deste tipo de arte é o Henri Rousseau. Sempre senti que os quadros dele têm uma história por contar.. uma selva.. um animal escondido, o imaginário, um misticismo que se sente imediatamente ao olhar para o quadro, (sinto-o como o Mia Couto, por exemplo. Se o Rousseau pudesse ilustrar hoje livros, seriam os do Mia couto).

Depois temos claro a Frida Khalo, outra referência que já enjoa porque todos a amam. Mas é isso mesmo! É a história, é a forma como ela põe a sua vida nos quadros que pinta. Não têm profundidade, técnica, não são quadros Realistas e no entanto dão-nos uma grande dose de realidade! Amor, paixão, medo, dor...



E agora uns actuais menos conhecidos como Ricardo Cavolo, Kevin Sloan e Sandra Dieckmann.. Desculpa, não consigo dizer só 3! Todos com cor, força, natureza, significado..quadros que nos façam respirar mais fundo.







AT - Numa frase, para ti o que é a arte?

Ana - É a mão invisível que te entra pelo cérebro, te desce pelas veias, vai lá ao fundo e tira cá para fora o que é autêntico. Isso é Arte.                                                                                                  

AT - Como descreverias a sensação de ver uma peça de arte bonita? Seja ela uma música, uma poesia, uma tela, etc..


Ana - É espontâneo. Sentes que colou contigo. Tirou-te o fôlego. Prendeu-te ali e sentiste uma data de coisas que te ligaram a ela. Não precisa de ser uma música, uma poesia..encontras arte em muito mais. Na natureza! Já viste o power de uma nebula? No simples, nas nuvens, no interior de um peixe das profundezas..

AT - Achas que uma pessoa nasce artista ou tem de ser obrigatoriamente estimulada e formada?

Ana - Acho que todos temos alguma coisa única dentro de nós, mas tenho a certeza que só quando a exploramos ela se transforma em arte. Uns precisam de ajuda para trabalhar a sua arte ( formação) outros conseguem fazê-lo sozinho.. mas sim, deves sempre estimular o artista que há em ti. O género de artista nasce só depois dessa exploração. 

AT - Sempre tiveste uma grande paixão pelo desenho e pintura, lembras te do momento em que te apercebeste que o gostavas de fazer? Quais foram os maiores estímulos artísticos que recebeste? Escola, família ou auto didacta?

Ana - Não tenho boa memória, não me lembro de ter “começado”.. sempre fiz desenhos, bandas desenhadas aos meus namorados e quadros para oferecer à família nos aniversários. Mas lembro-me quando o deixei de fazer.. escolhes um certo caminho de estudos quando tens de enveredar por uma via profissional e deixas de lado estas coisas que gostas de fazer pelo “bem do teu futuro”. Nunca me estimularam muito a explorar seriamente esta veia. Só como hobbie. Sempre achei que era só uma coisinha com graça que eu fazia.. Hoje em dia arrependo-me de ter a posto de lado... E percebi que não dá mais para fugir dela. Para me manter uma pessoa sã, hoje em dia, tenho de continuar esta paixão, em todos os momentos livres possíveis.


AT - Sei que neste momento pintas a acrílico. Porque escolheste este suporte em vez do óleo ou aguarela por exemplo?


Ana - Porque como pintora “profissionalissima” que sou, não consigo estar muito tempo a pintar um quadro. Surge-me a ideia, pinto.. o acrílico seca rápido logo consegues chegar ao teu objectivo mais depressa. Óleo fica mais bonito, mas não tenho paciência! 

Alguns dos trabalhos da Ana




AT - És conhecida por gostares de fazer desenhos e pinturas para os teus amigos, e toda a gente adora, inclusive eu! Porque achas que as pessoas gostam tanto de receber qualquer forma de arte? Porque dão tanto valor a receber um simples papel com uns rabiscos ou uma tela com pinceladas?


Ana - Não acho que as pessoas gostem sempre de receber arte. A arte é muito pessoal por vezes recebem e não gostam. Eu surpreendo-me de gostarem dos meus rabiscos no papel.. mas acho que dão valor porque é feito com amor. E isso nota-se mesmo no traço mais torto. E também porque tento sempre colocar alguma coisa da nossa vivência, da nossa história. Se desse uma tela com uns rabiscos, sem significado, não seria a mesma coisa.

AT - Por fim, soube que tal como o André Mateus (sobre quem falamos há duas semanas), tens uma paixão secreta pela Banda Desenhada. Também já te vi associada a uma pequena curta metragem e em projectos de fotografia. Tens mais alguns projectos ou paixões debaixo da manga e que queiras revelar? Os nossos leitores também gostavam de saber se há outras áreas artísticas em que ainda gostavas de envolver no futuro?

Ana - Sim, neste momento acordei para a vida e estou a recuperar tempo perdido a experimentar  várias vertentes artísticas. A banda desenhada e a ilustração de livros para crianças é algo que me apetece explorar mais. Adoro a história por trás da imagem. Como quando nos contam algo e ao mesmo tempo criamos todas as imagens na nossa cabeça. Gosto dessa parte imaginativa de ilustrar palavras e coisas que queremos dizer.  Sim. Acho que é a isto que me vou tentar dedicar agora. Vamos ver como corre.



Obrigado Ana!

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Gabriel Garcia Marquez

Gabriel Garcia Marquez. Palavras para quê. O Artes e Tartes escreve hoje sobre este escritor e jornalista que morreu durante  a semana passada, aos 87 anos. 

                                          

Nasceu na Colômbia em 1927, mas morreu no México onde passou os últimos anos da sua vida.

Os amigos chamavam-lhe Gabo.

Em 1972 ganhou o Prémio Nobel da Literatura.

Para mim um escritor que tem a coragem de escrever um livro com o título "Memória das minhas putas tristes", merece logo um louvor. Na arte, seja ela escrita ou pintada ou cantada, não é fácil manter a genuinidade e agradar a todos. Um artista que tem a liberdade de se exprimir como quer, gosta e sabe, é aquele que conseguiu verdadeiramente explorar não só uma das condições mais difíceis da nossa existência (a do artista), mas também aquela que é a condição mais desafiante da vida: a condição do ser humano.

Sendo a arte algo que nos aproxima do sagrado e desafia a nossa consciência, Gabriel foi sem dúvida um ser iluminado.

Admiro particularmente aquelas obras literárias que têm uma primeira frase marcante. Aqueles livros cuja primeira linha da primeira página nos salta à vista. Isso acontece por exemplo com "Os Maias" e "Os Lusiadas", no expectro da literatura Portuguesa.


A frase com que Gabo inicia a sua grande obra prima "Cem anos de solidão", vai para sempre marcar a sua passagem neste mundo e o imaginário de muito milhões de leitores. Agora e por muitas centenas de anos. Enquanto houver humanidade e sentimento.

"Muitos anos depois, diante do pelotão fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendia haveria de recordar aquela tarde remota em que o seu pai o levou para conhecer o gelo".

Um dia gostava de escrever um livro. E só o farei quando tiver uma boa primeira frase.

Quando li os "Cem anos de solidão", a obra prima de Gabo, tive de fazer numa folha A4, a árvore genealógica dos Buendia. A complexidade desta família era tal, que me sentia perdido sem a tal folha a acompanhar-me! Recordo-me do barco perdido no meio da floresta. A minha imagem mental deste barco é algo que ainda hoje me acompanha. Quando recentemente viajei na Argentina, vi um daqueles barcos a vapor (género do Rio Mississipi), atolado numa floresta na província de Gualeguaychu e logo me veio à cabeça essa parte do livro!

Lembro-me também da casa dos Buendia em Macondo com as suas constantes renovações. Ou os anos de prosperidade em que o gado se multiplicava como coelhos na primavera. E o que dizer da imagem de Melquiades, o cigano que trouxe os imans e o equipamento de alquimia, surgindo ano após ano sem nunca parecer envelhecer!

                                             

Nas suas obras, pauta aquele sentimento e espirito revolucionário latino-americano que me seduz e estimula o imaginário. Sentimento esse que também é característico das obras de outros como Neruda, Vargas Llosa, Luis Sepulveda ou Isabel Allende. Histórias humanas e simples. Gerações que vão nascendo e morrendo ao longo das páginas. Locais míticos. Cheiros. Cidades e aldeias. Pobreza e prosperidade. Amor e sensualidade. Amizade e assassínios. Politica e guerra.

Gabriel Garcia Marquez foi ainda autor de algumas frases tão bonitas como:

"O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão".

"A vida é uma sucessão continua de oportunidades".

"É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar e aprender a sua duração, pois a vida está nos olhos de quem sabe ver".

"Toda a gente quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de a subir".

Obrigado Gabriel!


domingo, 13 de abril de 2014

André Mateus


André Mateus tem 34 anos e nasceu em Lisboa.



É formado em Gestão pela Universidade Católica Portuguesa e fã incondicional do Futebol Clube do Porto. O seu nome artistico é Junior. Ainda hoje é conhecido por essa alcunha e foi com esse nome que se lançou na área do Hip Hop em Portugal, no início do século XXI.

As suas 3 grandes referências artísticas são Chico Moreno dos Deftones, Banksy e George Lucas. Correm rumores que o seu primeiro filho se vai chamar Yoda. Para ele a arte “é um exclusivo humano. Os animais, por mais queridos ou inteligentes ou sensíveis que sejam, nunca farão arte”. Vai ainda mais longe e diz que “mais do que definir a arte, o que eu acho relevante é que é ela que nos define a nós, humanos.”

Faz agora 10 anos que Junior deu um concerto no Garage em Lisboa. Este concerto foi a confirmação daquilo que o seu grupo de amigos mais próximo já sabia: havia ali talento!



Nos anos seguintes, Junior ganhou o TMN Garage Sessions, gravou um CD e abriu o Festival Sudoeste no palco principal em 2005. Em 2008 o ciclo Junior terminou, mas a alma do artista continua viva!
Esta semana o Artes e Tartes homenageia este artista com uma entrevista sobre a sua carreira e sobre as suas influências artísticas.

Artes e Tartes - Fala-nos um pouco do teu caminho como artista. Desde a formação da tua primeira banda até aos dias de hoje. Qual é o teu reportório no fundo?

Junior - Pois bem tudo começou com o meu primo Fred que já sabia tocar guitarra. Ele tinha uma, e ensinou-me a dedilhar o tema do Godfather, tinha eu 13 anos. A partir daí ficou a curiosidade, que foi sendo alimentada na escola com outros amigos que tinham guitarras. Tentávamos imitar músicas que conhecíamos, partilhávamos acordes e ideias sobre guitarra, mas na realidade nenhum de nós sabia nada daquilo. A grande motivação para criar a minha primeira banda foram os Nirvana, que tinham músicas super simples de tocar, o que me deu aquela esperança "if he can do it so can I". E foi assim que tudo começou. Eu já tinha umas músicas feitas (basicamente 4 acordes simples repetidos à exaustão) e umas letras a gozar, e decidi "formar" uma banda com outro amigo meu que também gostava de Nirvana (Castelo). O irmão mais velho de um amigo nosso tinha uma bateria velha numa garagem e cobrava-nos 500 escudos para passarmos lá a tarde a fazer barulho.

Eu na guitarra e na voz, o Castelo na bateria. Foi o primeiro line-up que tivémos. Claro que o som era horrível, mas era o suficiente para fazer 4 horas parecerem 15 minutos. Adorávamos aquilo. Com o tempo o Castelo, que passava os fins de semana na Costa da Caparica, conheceu um tal de Rodrigo e uma tal de Inês, e perguntou-me se eles não podiam vir ao ensaio. Disse-me que sabiam tocar e que curtiam o mesmo género de música que nós. Eu fiquei contente mas receoso, porque estes "estranhos" iam perceber que nós tocávamos muito mal. O Rodrigo era um virtuoso, alguém que sabia mesmo tocar guitarra. Estava a anos luz de mim. A Inês era baterista, o que eu achei logo cool... Uma miúda baterista, granda power. Uma miuda pequenina, mas com um touro dentro dela quando se sentava à frente dos tambores. Ficámos todos de boca aberta, e a partir desse dia a Inês e o Rodrigo vinham a todos os ensaios. Tinhamos oficialmente uma banda. O Castelo passou da bateria para a voz, e assim ficámos durante 1 ano. Duas guitarras, 1 bateria e voz. Não havia baixo.




Paralelamente o meu grande amigo Gongas também estava em bandas. Ouvíamos todos o mesmo som, partilhávamos várias referências. Um dia o Gongas deixa a sua banda antiga e eu pergunto-lhe se ele queria ir tocar baixo connosco, com os pêlos no rabo. Ele aceitou. Eu acreditei que agora é que era, era uma questão de tempo até sermos uma mega banda de rock na tuga. 

Passaram 5 anos, ensaios todas as semanas e alguns concertos, quase sem público. Uma mão cheia de amigos gostava e acompanhava, mas não mais do que isso. O tempo foi passando, e o gosto pelo rap foi aumentando (com o Gongas, com quem ia descobrindo novos artistas e novos sons). Até que ganhámos um segundo lugar num concurso de bandas cujo prémio era a gravação de um EP. Ficámos muito contentes e fomos para estúdio gravar à séria pela primeira vez. Correu muito mal, eu não gostei nada da prestação do vocalista e quis acabar com a banda. O Gongas estava do meu lado, os outros 3 elementos nem por isso. 

A banda acabou mesmo passado um mês. E eu decidi que não iria ter mais bandas, que a partir de agora ia fazer como os MC's. Eles existiam em nome próprio, não estavam associados a uma banda. E foi assim que nasceu o MC Junior. Foi da vontade de querer fazer música, mas blindar-me dos problemas de ter uma banda. Claro que ia tocar com outras pessoas, mas não era uma banda. Era hip hop. Era rap. A lógica era diferente. As regras eram outras e cada um sabia de si.

O Gongas continuou comigo (como baterista, como baixista e mais tarde como DJ) até que conheci o Fred CC na Católica. O Fred também gostava de rock mas estava a ouvir cada vez mais hip hop e tinha um computador onde fazia beats. Foi a casa dele uma tarde, e gravámos 3 raps meus em cima de 3 músicas dele. A partir daí começou a aceitação do pessoal, que até então não existia (nos pelos no rabo).

Rapidamente recebemos o primeiro convite para um concerto, também na Católica, e foi uma loucura. Eu, que estava habituado a tocar para 20 pessoas que quando a música acabava não batiam palmas, estava agora a tocar para mais de 300 pessoas, em euforia, a gritar Junior Junior. Foi um power. A partir daí continuámos e o Junior cresceu, para lá dos meus wildest dreams. A Ana tornou-se nossa manager, o Papa começou a fazer rimas comigo, o Gongas foi DJ depois decidiu abandonar e veio o Mike, um puto mesmo espectacular e com uma energia muito positiva.



Foram momentos que me definem ainda hoje, e que estou muito agradecido a todos os que me rodearam por mos terem proporcionado. Em 2008, depois de 7 anos, decidimos encostar o Junior e cada um seguiu a sua cena.



AT - Quais foram os teus maiores estímulos artísticos? Auto-didacta? Vieram de fora? Foi na escola? Foram os teus pais?



Junior - Foi realizar que não era preciso saber tocar um instrumento muito bem para fazer músicas. Aprendi o zombie dos cranberries como toda a gente, e a segunda ou terceira música que aprendi foi basicamente com os mesmos acordes numa ordem diferente. E chamei-lhe a minha primeira música. Os meus amigos achavam que eu tocava mal. Os meus pais tinham a minha irmã que sabia cantar e tocar piano muitissimo bem, por isso eles nunca acreditaram muito no meu "talento". Achavam que o melhor era eu estudar, como todos os pais. Acho que a principal motivação foi mesmo o acreditar que conseguia ser músico.



AT - Achas que uma pessoa nasce artista ou pode ser estimulada e trabalhar em termos de formação artística?



Junior - Eu acho que tens que ter o chamamento dentro de ti. Tens que querer passar 3 horas a aprender um acorde e não achar que é uma perda de tempo. Se tiveres esse chamamento, que te leva e empurra para pegar na guitarra, ou escrever, ou pintar, tens o essencial. As técnicas vêm com o tempo e podem ser ensinadas. O chamamento é que não. O que leva um artista a QUERER criar é a base da criação, e consequentemente da arte.



AT - Sentes que a arte preenche um papel importante na tua vida? Seja nas tuas rotinas ou como ser humano?



Junior - Sim, penso que a arte (sobretudo a música) tem uma capacidade especial de me fazer sentir. Não conseguia viver sem música, seja usando-a como um escape das minhas próprias emoções seja deixando-a fazer-me pele de galinha quando uma música é muito triste ou muito angustiada. É estranho, mas as músicas que prefiro são as tristes e as angustiadas. É nesse ambiente que sou mais vulnerável à arte. Em última análise é o que me faz humano.


AT - O Junior foi sem dúvida o teu momento alto como artista, a nível de reconhecimento externo. Sentiste em algum momento que devido ao mediatismo, a tua arte estava a perder genuinidade? Ou seja, sendo a arte algo muito próprio e original de cada um, quais são os desafios que um artista enfrenta quando ouve não só criticas mas também elogios?
 
Junior - Sim houve momentos em que o Junior se tornou algo mediático, mas acho que nunca chegou a níveis em que tivesse que comprometer aquilo em que acreditava. Ao longo dos anos os palavrões foram um problema. Mas eu falava assim, por isso não ia mudar. A TMN não curtiu, a Antena 3 não curtiu, a EMI não curtiu. Mas eu continuei a fazer aquilo que achava, e na realidade "caguei" para o que eles pensavam. Relativamente a críticas de pessoal mais perto, cujas opiniões eu respeitava, era mais difícil... às vezes enquanto escrevia pensava no que o pessoal podia achar desta ou daquela rima... mas como tinha amigos que me diziam coisas muito diferentes, achei sempre, conscientemente, que o importante era eu gostar. Porque era impossível fazer algo que todos os meus amigos gostassem. Havia sempre alguém que não gostava de uma coisa ou de outra, e se eu me punha a pensar nisso, não escrevia nada. Muitas das pessoas que ouviam Junior não ouviam rap nem gostavam de hip hop, mas como se identificavam com as letras, ouviam. Claro que essas pessoas me "aconselhavam" a desviar-me mais do registo da música negra, dos beats agressivos do "gueto", da dimensão delinquente e desfavorecida de que fala o rap... por outro lado tinha amigos que diziam que eu fazia era música para betos, rap para meninos, e que precisava era de ser mais street. Ouvi de tudo. Ao ponto de achar que devia ouvir-me só a mim, para o bem e para o mal. Mas o mais importante e que mais me deixava feliz, era que as pessoas ouviam e tinham algo a dizer, e vinham ter comigo, às vezes sem me conhecer, para me dizerem o que achavam. Isso era um power, independentemente daquilo que diziam. 


AT - O Junior era um heterónimo? Ou seja, era de alguma forma, uma pessoa diferente do André? Como avalias esta questão dos heterónimos exemplificando por exemplo com o nosso querido Fernando Pessoa?

Junior - A alcunha Junior foi-me dada pelo Chibanga, um gajo que vendia street wear no Centro Comercial Portugália, na Almirante Reis. Como eu era bueda puto mas passava lá a vida a comprar CD's em segunda mão e a ver a roupa "cool", o gajo começou a chamar-me Junior. Eu sempre fui baixo, o que ajudou aos meus amigos a pegarem na alcunha. Porque eu era dos mais velhos do grupo, mas dos mais baixos, por isso para "gozarem" comigo os putos começaram a chamar-me Junior. E pronto, para mim fazia sentido que a minha alcunha fosse o meu nome de MC. Não foi por questões de heterónimos ou sequer para me proteger. Achava só meio lame arranjar um nome todo coiso. Eu era o Junior, logo enquanto rapper era o MC Junior. Quando um artista gosta de assumir uma persona que não é a sua, o heterónimo dá-lhe essa capa, essa protecção. Permite assumir uma nova identidade e criar a partir daí.

No meu caso, como o meu rap é muito pessoal, são as coisas que eu acho, um heterónimo não faria sentido.


 AT - Como consideras que está a arte em Portugal hoje em dia? Porque é que achas que a arte em Portugal é tão mal tratada? No último post do Artes e Tartes falou-se da fuga da pianista Maria João Pires para o Brasil porque não tinha espaço aqui, o que achas de tudo isto?

Junior - Esta pergunta é muito difícil. Por um lado não acho que a arte seja mais mal tratada em Portugal que outro milhão de coisas, como a política, os negócios, a agricultura, o desporto etc... Portugal trata mal as coisas, sempre tratou acho eu. Somos um país muito pequeno, apenas com 10 milhões. Não há espaço para muita coisa diferente, na lógica de mercado. Não vais conseguir vender à mesma pessoa casa dos segredos e Maria João Pires. Não dá. O problema da arte é um problema cultural. E isso, para mim, é universal. Nós não somos mais parolos que os espanhóis ou os franceses... somos é muito menos e por isso regista-se menos diversidade. Em Espanha há mais escultores, sem dúvida, mas também há mais programas sobre os vips e o cor de rosa. São as pessoas que fazem a arte, não são os países.



AT – Por fim, quais são os teus desafios para o futuro?
 

Junior - O maior desafio relativamente a este tema será o de não deixar que a criação musical saia da minha vida. Mulher, filhos, a casa, o emprego, as férias, os hospitais... é importante continuar a dar ouvidos ao "chamamento", mas sinto que hoje em dia tenho que fazer um esforço para dar tempo à música. Dantes gravava e pronto, agora ando há 4 semanas para arranjar um dia para gravar. Esse é o meu maior desafio, não deixar que "a vida" me afaste demasiado da música. Paralelamente tenho estado também a desenvolver histórias de banda desenhada, que gostava muito de materializar um dia. Ainda estou na fase de concepção de personagens, e sobretudo a aprender como contar "gags" em BD, que tem a sua técnica e truques próprios. Ainda estou na fase ascendente da curva de aprendizagem (e espero estar por muito tempo) pelo que é meio prematuro avançar muito mais do que isto. Mas que é era uma coisa que adorava fazer, isso sem dúvida.


Obrigado André!


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Maria João Pires

Maria João Pires é uma pianista de renome internacional que nasceu em Lisboa em 1944.

 
 
Reconhecida, admirada e premiada por todo o mundo, (menos em Portugal claro), optou por pedir o estatuto de nacionalidade Brasileira em 2009, quando tinha 65 anos. Desde aí que vive em Salvador no Brasil. É que nem se trata de dupla nacionalidade. Esta filha de Portugal, e que a todos deveria encher de orgulho, é agora somente Brasileira..
 
Numa notícia publicada pelo jornal Publico, alegou que os "coices e pontapés que tem recebido do Governo Português", foram um dos principais motivos para abandonar o país. Em causa deverá estar também o desinteresse do Estado no apoio às  artes e artistas Portugueses. Parece que culminar da situação, foi a falta de suporte no seu projecto educativo para as artes em Belgais, na zona de Castelo Branco, e que acabou por abandonar em 2006.
 
O meu primeiro contacto com esta pianista foi nos anos 90, quando este CD, comprado pela minha mãe, apareceu lá em casa.
 
 
Quando o colocava na aparelhagem, aquelas melodias de Chopin tocadas pelas maravilhosas mãos da Maria João, emocionavam-me e alteravam o meu estado de consciência. Ainda hoje passados 20 anos ouço o CD. É muito bonito, não há muito mais palavras a dizer. 
 
Num documentário sobre a Maria João Pires, o maestro Vitorino de Almeida refere-se de forma bem disposta a este CD, dizendo que foi uma jogada de marketing brilhante, na qual aparentemente a pianista nem esteve envolvida! Jogada ou não, lá em casa comprou-se e a mim pelo menos influenciou!
 
E já que há pouco se mencionou as maravilhosas mãos da Maria João, saiba o leitor do Artes e Tartes, que ela tem as mãos pequenas! Pois é, tanto se fala em mãos e dedos de pianista, a verdade é que ela tem as mãos pequenas e apenas consegue fazer oitavas (o raio da sua mão apenas atinge 8 teclas), e para fazer décimas tem que improvisar e alterar a técnica normal de um pianista. Isto só lhe traz ainda mais mérito e desmistifica e mito que para se ser pianista tem que se ter mãos grandes ou dedos compridos.
 
Outra das suas características que a definem como pianista é facto de ter o chamado ouvido completo ou absoluto. Apenas 0,2% da população mundial tem esta característica. Trata-se da capacidade que uma pessoa tem de formar uma imagem auditiva interna de qualquer tom musical (representado por uma nota), identificá-lo e reproduzi-lo (se tiver formação musical claro).
 
 
Tocou em público pela primeira vez aos 4 anos. Aos 5 deu o primeiro recital. Aos 7 tocou Beethoven em público pela primeira vez.
 
No exame do conservatório de Lisboa alcançou a impensável nota de 20 Valores!?
 
Tornou-se mundialmente conhecida quando em 1970, vence o concurso internacional do bicentenário de Beethoven que se realizou em Bruxelas.
 
Já tocou com os grandes maestros e orquestras mundiais nas salas de maior renome internacional.
 
Fez muitas digressões e deu numerosos concertos, onde interpretou entre outros, obras de Bach, Beethoven, Schumann, Schubert, Mozart ou Chopin.
 
 
Obrigado Maria João!