segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Eça de Queiroz


Eça de Queiroz nasceu a 25 de Novembro de 1845, na Póvoa do Varzim.
 
 
Já passaram 114 anos sobre a morte do grande romancista e a obra que nos deixou continua a atrair a atenção de leitores, literatos e outros estudiosos. Ainda hoje, os seus livros são reeditados e, os mais representativos, adaptados ao teatro e ao cinema. As personagens dos seus romances - que sugerem uma tipologia social -,  fazem parte da nossa história e da nossa cultura. Pensamentos, apreciações e comentários, retirados dos seus escritos, são frequentemente citados e circulam na net, plenos de atualidade por encaixarem a preceito nos protagonistas e nas situações da nossa vida política e social. De onde vem a força desta escrita e a atualidade deste escritor?


Eça foi, acima de tudo, um atento e perspicaz observador de Portugal e do mundo. Da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX deixou-nos, enquanto romancista, um retrato fiel e cru. Dos conflitos e dos meandros da política mundial deixou-nos, enquanto jornalista, análises minuciosas e vaticínios acertados. A sua infância ficou marcada pela ausência de uma família que lhe deu o nome mas que lhe negou o aconchego do lar. O carinho tê-lo-á ele encontrado na ama que o amamentou em Vila do Conde e nos avós paternos que, perto de Aveiro, o acolheram e educaram na meninice. Ao contrário da mãe, fria e ausente, a figura e a personalidade do pai acompanhou-o e influenciou-o pela vida fora. A singularidade do seu nascimento fez dele um outsider e deu- lhe a autonomia afetiva que lhe conferiu  distanciamento e independência crítica.  A ironia, que em Eça revela argúcia e inteligência, foi a marca desse distanciamento.

O lustro de Coimbra foi o tempo de aprendizagem e de gestação, estimulada pelo fermento da cultura francesa e pelo contacto com amigos, dos quais se destacou Antero de Quental, que nele exerceu uma forte impressão. Lisboa, onde viveu durante algum tempo depois de terminado o curso, foi a descoberta da grande cidade, o contacto com a política e com a sociedade. Em Évora, como diretor e único redator do Distrito de Évora foi destilando o seu jeito para a crítica e apurando a mão para a escrita. A viagem ao Egipto, onde assistiu à inauguração do Canal de Suez, e o deslumbramento da Terra Santa abriram-lhe a primeira janela para o mundo e marcaram-no para sempre.
Leiria, cidade onde desempenhou o cargo de administrador do distrito, foi o palco do seu primeiro romance,  o Crime do Padre Amaro – o livro que ele trazia no ventre - onde ousa pôr em pratica o realismo como escola literária e abordar os temas tabú da religião e do sexo. O estilo da prosa, que vai ser apurado nos romances subsequentes, já evidencia o arrojo da inovação tão bem caraterizada por Ernesto Guerra da Cal, o autor galego que mais profundamente estudou a sua linguagem e o seu estilo. Já nessa primeira obra se evidencia a prosa criativa em que os adjetivos geradores de contrastes e conferindo tonalidades e melodia à narrativa, parecem desempenhar o papel da luz nos quadros dos pintores impressionistas.

A primeira experiência consular foi em Cuba e a partir daí não deixaria nunca mais de ser um expatriado primeiro em Inglaterra e depois em França. Mas o seu campo de observação esteve em Portugal, nunca fez amigos estrangeiros, o  universo da sua ficção foi sempre português. Três romances laboriosamente escritos e dolorosamente revistos, sempre na busca da perfeição, constituem o esqueleto da sua obra: o Crime do Padre Amaro, é a explosão e a vitalidade da juventude; O Primo Basílio, o grande ensaio de estudo e caracterização de personagens e o apuramento do estilo; Os Maias são a sua obra prima, longamente pensada e amadurecida. Nestes seus romances não existem heróis, apenas pessoas, enredadas nos seus defeitos, atormentadas nas suas dúvidas. Amélia d'O Crime do Padre Amaro e Luísa d'O Primo Basílio são os personagens centrais  da ação motivadas pelo fogo da paixão a pela força do enleio amoroso.
 
N'Os Maias a arquitetura da narrativa ganha outra dimensão: a figura central, onde como num quadro converge o ponto de fuga de toda a trama, é Afonso da Maia, o patriarca da família. Não será por coincidência que todas estas figuras centrais dos seus romances, incapazes de resolver ou superar as paixões - casos de Amélia e de Luísa - ou as convicções - caso de Afonso da Maia -,   morrem no final dos romances.
Eça foi um eterno insatisfeito, parecia hesitar entre o que era e o que desejaria ou gostaria de ser. As suas opções pessoais, raramente afirmadas na primeira pessoa, oscilavam entre o o espírito progressista do Cenáculo na juventude, e o pendor conservador dos Vencidos da Vida, na idade madura. A sua personalidade parece flutuar entre o laicismo e a religião, entre a república e a monarquia, entre a cultura e a aristocracia, entre a vida familiar e a vida social, entre a tradição e a civilização. Fradique Mendes é o seu alter-ego, um contraponto paradoxal de si próprio que, tal como os espelhos das feiras, reflete as imagem invertidas e deformadas.


Morreu em Paris, aos 55 anos, no primeiro ano do século XX. Se não tivesse morrido tão novo. podemos imaginar como teriam sido os anos da sua velhice, depois de regressado a Portugal? Os seus últimos escritos sugerem-nos um Eça, vivendo em Tormes - lembrando os retiros de Herculano ou Lev Tolstoi -, procurando as coisas simples da vida, rendido à natureza, inspirado pela vida dos santos.

Eça libertou-se do tempo e foi um visionário. Foi um artista que deu um novo fôlego à língua portuguesa. Para muitos, depois de Camões, o nosso maior escritor todos os tempos.

Obrigado Eça!

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