Eça de Queiroz nasceu a 25 de Novembro de 1845,
na Póvoa do Varzim.
Eça foi, acima de tudo, um atento e perspicaz observador de Portugal e do mundo. Da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX deixou-nos, enquanto romancista, um retrato fiel e cru. Dos conflitos e dos meandros da política mundial deixou-nos, enquanto jornalista, análises minuciosas e vaticínios acertados. A sua infância ficou marcada pela ausência de uma família que lhe deu o nome mas que lhe negou o aconchego do lar. O carinho tê-lo-á ele encontrado na ama que o amamentou em Vila do Conde e nos avós paternos que, perto de Aveiro, o acolheram e educaram na meninice. Ao contrário da mãe, fria e ausente, a figura e a personalidade do pai acompanhou-o e influenciou-o pela vida fora. A singularidade do seu nascimento fez dele um outsider e deu- lhe a autonomia afetiva que lhe conferiu distanciamento e independência crítica. A ironia, que em Eça revela argúcia e inteligência, foi a marca desse distanciamento.
O lustro de
Coimbra foi o tempo de aprendizagem e de gestação, estimulada pelo fermento da
cultura francesa e pelo contacto com amigos, dos quais se destacou Antero de
Quental, que nele exerceu uma forte impressão. Lisboa, onde viveu durante algum
tempo depois de terminado o curso, foi a descoberta da grande cidade, o
contacto com a política e com a sociedade. Em Évora, como diretor e único
redator do Distrito de Évora foi destilando o seu jeito para a crítica e
apurando a mão para a escrita. A viagem ao Egipto, onde assistiu à inauguração
do Canal de Suez, e o deslumbramento da Terra Santa abriram-lhe a primeira
janela para o mundo e marcaram-no para sempre.
Leiria,
cidade onde desempenhou o cargo de administrador do distrito, foi o palco do
seu primeiro romance, o Crime do Padre Amaro – o livro que ele trazia no
ventre - onde ousa pôr em pratica o realismo como escola literária e abordar os
temas tabú da religião e do sexo. O estilo da prosa, que vai ser apurado nos
romances subsequentes, já evidencia o arrojo da inovação tão bem caraterizada
por Ernesto Guerra da Cal, o autor galego que mais profundamente estudou a sua
linguagem e o seu estilo. Já nessa primeira obra se evidencia a prosa criativa
em que os adjetivos geradores de contrastes e conferindo tonalidades e melodia
à narrativa, parecem desempenhar o papel da luz nos quadros dos pintores
impressionistas.
A primeira
experiência consular foi em Cuba e a partir daí não deixaria nunca mais de ser
um expatriado primeiro em Inglaterra e depois em França. Mas o seu campo de
observação esteve em Portugal, nunca fez amigos estrangeiros, o universo
da sua ficção foi sempre português. Três romances laboriosamente escritos e
dolorosamente revistos, sempre na busca da perfeição, constituem o esqueleto da
sua obra: o Crime do Padre Amaro, é a explosão e a vitalidade da juventude; O
Primo Basílio, o grande ensaio de estudo e caracterização de personagens e o
apuramento do estilo; Os Maias são a sua obra prima, longamente pensada e
amadurecida. Nestes seus romances não existem heróis, apenas pessoas, enredadas
nos seus defeitos, atormentadas nas suas dúvidas. Amélia d'O Crime do Padre
Amaro e Luísa d'O Primo Basílio são os personagens centrais da ação
motivadas pelo fogo da paixão a pela força do enleio amoroso.
N'Os Maias a
arquitetura da narrativa ganha outra dimensão: a figura central, onde como num
quadro converge o ponto de fuga de toda a trama, é Afonso da Maia, o patriarca
da família. Não será por coincidência que todas estas figuras centrais dos seus
romances, incapazes de resolver ou superar as paixões - casos de Amélia e de
Luísa - ou as convicções - caso de Afonso da Maia -, morrem no final dos
romances.
Eça foi um
eterno insatisfeito, parecia hesitar entre o que era e o que desejaria ou
gostaria de ser. As suas opções pessoais, raramente afirmadas na primeira
pessoa, oscilavam entre o o espírito progressista do Cenáculo na juventude, e o
pendor conservador dos Vencidos da Vida, na idade madura. A sua personalidade
parece flutuar entre o laicismo e a religião, entre a república e a monarquia,
entre a cultura e a aristocracia, entre a vida familiar e a vida social, entre
a tradição e a civilização. Fradique Mendes é o seu alter-ego, um contraponto
paradoxal de si próprio que, tal como os espelhos das feiras, reflete as imagem
invertidas e deformadas.Morreu em Paris, aos 55 anos, no primeiro ano do século XX. Se não tivesse morrido tão novo. podemos imaginar como teriam sido os anos da sua velhice, depois de regressado a Portugal? Os seus últimos escritos sugerem-nos um Eça, vivendo em Tormes - lembrando os retiros de Herculano ou Lev Tolstoi -, procurando as coisas simples da vida, rendido à natureza, inspirado pela vida dos santos.
Eça libertou-se do tempo e foi um visionário. Foi um artista que deu um novo fôlego à língua portuguesa. Para muitos, depois de Camões, o nosso maior escritor todos os tempos.
Obrigado Eça!
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